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Assim como em todos os outros anos em que há eleição para presidente, a discussão a respeito da legalização do aborto no Brasil voltou a surgir, com a declaração de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que incentivou declarações de Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro (PL).
O problema é que as mulheres não fazem aborto somente de 4 em 4 anos. A retomada do tema não aparece como uma urgente questão de saúde pública que impacta diretamente a vida da mulher brasileira, mas como uma forma de levantar declarações polêmicas sobre os candidatos opositores, as quais acabam circulando em toda mídia, até mesmo neste portal, no qual escrevo.
Como se sabe, no Brasil, o aborto só é permitido quando há risco para a vida da mãe, quando a gravidez se deu em decorrência de um estupro ou em casos de anencefalia do feto. Estamos na contramão de países como a Colômbia, que aprovou o aborto em até 24ª semana de gestação.
Prometo não polemizar simplesmente as declarações de político X, Y ou Z aqui, mas trazer algumas falas e ações para refletir sobre a grande problemática que é não encarar a interrupção da gravidez como um direito das mulheres. Cada uma de nós deveríamos ter o poder de pensar nossos direitos reprodutivos. Assim, legalizar o aborto é promover a democracia!
Recentemente, Lula declarou uma pequena obviedade a respeito do aborto: trata-se de uma questão de saúde pública, não algo que se resolva com criminalização. Até porque, não é segredo, sendo crime ou não, abortos acontecem diariamente. Mulheres com melhores condições financeiras fazem isso com mais segurança, enquanto mulheres pobres correm risco de vida. A fala do ex-presidente foi criticada e diversas pessoas disseram que ele deveria rever seu posicionamento, caso queira de fato se eleger.
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Quando questionado, Ciro Gomes fugiu do assunto em um primeiro momento. Disse que sua campanha deve focar no que importa. Na visão dele, a saúde e economia. O que parece ter esquecido é que a vida das mulheres também é muito importante e não deixa de estar atrelada à pauta de saúde.
No entanto, depois de muita insistência da mídia, declarou que o aborto é “uma grande tragédia humana, uma tragédia social. E minha grande questão é: qual o papel do Estado a favor dessa tragédia? Ninguém pode ser a favor do aborto”. O Estado deve intervir nos direitos reprodutivos das mulheres? O estado deve medir o que pode ou não o corpo de uma mulher? Talvez o foco aqui seja se questionar por outros caminhos.
Lideranças conservadoras e religiosas sempre evitam debates acerca da problemática. O assunto ainda é visto através de uma lente de preconceito, construída por informações falsas a respeito do aborto.
Até mesmo líderes à esquerda não dão atenção a essa questão. Como se fosse uma pauta menor, uma demanda de um grupo pequeno da sociedade, enquanto mulheres são maioria no país, ou seja, parte-se uma percepção bastante misógina.
Vale, ainda, voltar um pouco no tempo e lembrar de julho de 2021. O governo Bolsonaro enviou um projeto de lei para criar o Dia Nacional do Nascituro e de Conscientização sobre os Riscos do Aborto, proposta ainda em análise no Congresso. E qual a implicação de uma data como essa para as mulheres?
O risco que o aborto oferece às mulheres é justamente ser ilegal e, portanto, ser feito clandestinamente. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta que os sistemas de saúde implementem políticas públicas que assegurem o pleno exercício dos direitos reprodutivos, pautado em dignidade e maior segurança possível para mulher.
Além disso, em 2020, o governo atual assinou o Decreto N. 10.531, o qual promove uma Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil, em um período que compreende 2020 a 2031. Uma das diretrizes desse documento é: “promover o direito à vida, desde a concepção até a morte natural, observando os direitos do nascituro, por meio de políticas de paternidade responsável, planejamento familiar e atenção às gestantes”. Como se pode perceber, essa ação estabelecida não abarca o direito da mulher em poder decidir ter ou não um filho.
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Por fim, vale mencionar que Bolsonaro, com pré-candidatura lançada recentemente, também fez suas declarações. Neste último domingo (24), defendeu o “direito à vida” e posicionou-se novamente contrário ao aborto em suas redes: “não cabe relativização na defesa da vida, especialmente inocentes incapazes de se defender”. Mas e a vida das mulheres, pessoas já nascidas? Além disso, ao longo de todo seu mandato, deixou claro que não haverá legalização no país enquanto estiver no poder.
Sobre a legalização, é importante considerar que a criminalização e repressão não evitam abortos. Prova disso é que cerca de 200 mil brasileiras são hospitalizadas por ano devido a tentativas inseguras de interrupção de gravidez.
O Brasil também carrega em sua história um número de mais de 100 mortes de mulheres por ano em decorrência de abortamentos. Sem falar nas crianças que nascem com sequelas devido ao uso incorreto de medicamentos abortivos, ou mesmo medicamentos ineficazes, por estarem vencidos ou serem falsificados.
O discurso religioso como fonte de argumento para barrar a interrupção da gravidez sinaliza a incompetência do Estado em cumprir com a laicidade, conforme destaca Luis Felipe Miguel, pesquisador da UNB, à Folha de S. Paulo. Sem o Estado Laico de direito não há democracia. Se a religião está acima do clamor da população, a sociedade democrática não existe.
A descriminalização do aborto deve ser pautada em conhecimento científico e na experiência social de cada país, partindo, assim, de dados reais. Essa é uma demanda emergencial das mulheres na luta por seus direitos, mas obviamente ela interessa a toda sociedade, inclusive aos homens, mas estes devem estar na condição de apoiadores à segurança das mulheres, e não como detentores do direito reprodutivo feminino.
A aprovação do aborto em outros países, como Portugal, Itália e Argentina, mostra que a interrupção de gravidez passa a ser menos frequente quando o assunto deixa de ser tabu. Isso porque, com a legalização, vem uma discussão mais aberta sobre educação sexual, bem como o conhecimento e uso regular de métodos contraceptivos.
O aborto precisa deixar de ser um tabu durante as candidaturas – e mesmo após elas. Enquanto mulheres, nós precisamos de representantes políticos que não tenham medo de encarar o assunto, sem haver argumentação religiosa.
Termino essa reflexão lembrando algo bastante óbvio: a legalização do aborto não obriga ninguém a abortar, mas é necessário ter esse direito de modo legal e seguro, pela vida das mulheres. O aborto inseguro é uma das principais causas de morte materna no país, portanto discuti-lo é uma questão democrática de amparo às mulheres!
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Fez Letras, mas se encontrou na área de Comunicação. Mediadora do clube de leitura #LeiaMulheres e autora do livro de poemas 'O rio seco que vive em mim'. Gosta de planta, de bicho e de gente, mas mais ainda de histórias.