Sociedade

O futuro é cruelty free: por que apoiar marcas livres de testes em animais?

Dicas de Mulher

Decisão de consumo de produtos passa por responsabilidade social, ambiental e ética, além de levar em conta a saúde e o bem-estar humano

Atualizado em 06.09.23
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Você já deve ter visto ou ouvido falar no coelhinho Ralph, personagem que viralizou ao mostrar, em um curta-metragem do YouTube, sua rotina como cobaia de uma indústria de cosméticos. Exibida em 2021, a campanha Salve O Ralph, promovida pela Humane Society International, buscava conscientizar a população e agir em prol da proibição dos testes em animais para um futuro livre de crueldade.

Na época, a ideia era pressionar alguns países, mostrando a realidade que ocorre em todo o mundo: estudo realizado pela HSI estimou que 115 milhões de animais sejam usados para experimentos laboratoriais todos os anos. Na área de cosméticos e beleza, por exemplo, esses seres ainda fazem parte de testes e pesquisas para criação de ativos, matérias-primas e insumos. “Para testar a eficácia, a segurança e saber se o produto está produzindo o efeito esperado, são feitos testes em animais, para eles não acontecerem em humanos e colocarem a vida [do indivíduo] em risco”, explica a farmacêutica industrial Carina Molon Zampini.

Para ela, um dos motivos que ainda fazem as empresas de cosméticos testarem em animais é a lucratividade do negócio. “Gira em torno de dinheiro. O custo do produto [testado em animais] é mais barato e dá mais rentabilidade para a empresa, então ela prefere ficar acomodada naquilo do que diminuir a margem de lucro e atender outras questões, principalmente socioambientais”, critica a especialista, que é dona da única farmácia de manipulação vegana do Brasil, a Vegan Pharma, localizada em São Paulo.

Em contrapartida aos testes, o movimento vegano e cruelty free, de incentivo ao consumo consciente e à responsabilidade ambiental, tem mobilizado cada vez mais adeptos. Isso porque, conforme o relatório do instituto de pesquisa Grand View, o mercado externo de cosméticos veganos deve atingir U$20,8 bilhões até 2025. Outra previsão, desta vez feita pelo Market Research Future, mostra que só a área de cosméticos cruelty free atingirá U$ 14,23 bilhões até 2030.

Por que o movimento cruelty free chama a atenção?

Um dos principais motivos para a população comum procurar por cosméticos veganos, cruelty free e naturais é a saúde. Para além das medidas contra abuso animal, a maioria dos produtos veganos demonstra ter maior preocupação com formulações químicas que podem ser nocivas para nós, os animais e o meio ambiente. “Existe a tendência de serem mais limpos, então as pessoas, muitas vezes, procuram esses produtos por isso”, destaca Carina. Como exemplo, ela cita os parabenos, conservantes utilizados para combater microrganismos e aumentar a validade dos produtos, mas que podem causar problemas na pele e desregular algumas funções do organismo.

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Ao Dicas de Mulher, o presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira, Ricardo Laurino, reforça também a eficiência da alimentação à base de vegetais para o desenvolvimento da responsabilidade social, pensando nas pessoas que optam pelo veganismo. “Ter uma relação de respeito aos animais e ao meio ambiente por meio da alimentação [vegana] diminui o risco do desenvolvimento dos principais problemas de saúde e causas de mortes hoje, como AVC, diversos tipos de câncer, diabete e pressão alta”, explica.

Ética, causa animal e meio ambiente

Laurino também destaca o movimento vegano como importante para a sociedade de maneira coletiva, para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e compassiva, no sentido prático das palavras. “Quando a gente pensa nisso, não podemos deixar os animais de fora, porque sabidamente eles são seres sencientes que sentem dor, sofrem, lutam por suas vidas, sentem frio e fome”, defende.

Ele alerta também para o impacto ambiental que a fabricação de produtos de origem animal gera ao meio, principalmente pensando na falta eficiência produtiva dos alimentos, como as carnes. Enquanto se espera uma produção com o mínimo de recursos, feita de forma racional, sem causar desequilíbrios ou desperdício, o que acontece não é bem assim. “A gente usa muito mais terra e milhões de toneladas de grãos para alimentar animais que acabam virando comida depois. Além disso, uma parcela menor da população tem acesso à carne e a produtos de origem animal. [Então], quando a gente pensa no impacto ambiental que a produção de produtos de origem animal gera, é inevitável repensar o que a gente coloca no prato, o que a gente veste, as nossas escolhas de lazer e os produtos que vamos comprar e consumir”, considera o especialista.

Como ficam as marcas a partir dessa mudança de comportamento?

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Diante de um cenário em que 38% das pessoas prefere adquirir produtos com menos sofrimento animal na produção, mesmo que isso custe mais para o bolso, como indica a pesquisa Retratos da Sociedade Brasileira – Hábitos Sustentáveis e Consumo Consciente, algumas marcas também têm buscado se reposicionar no mercado. Atualmente, encontra-se à disposição maior variedade de cosméticos que eliminaram por completo os testes e ingredientes de origem animal ou, por vezes, a criação delinhas de produtos específicos para esse fim.

Mesmo assim,o cenário é otimista. Para o presidente da SVB, “as marcas influenciam e são influenciadas pela realidade que a sociedade vive, então ao se perceber um potencial econômico de mercado, [a procura e fabricação de produtos livres de testes em animais ou veganos] se desenvolve”. Ainda na opinião do especialista, tais benefícios podem corresponder a novos valores que o movimento vegano agrega e propõe à sociedade como um todo.

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Para a empresária Carina Zampini, o movimento tem crescido bastante nos últimos tempos, mas ainda há muito para alcançar. Segundo ela, falta pressão de empresas maiores que tenham interesse na causa para haver expansão, visibilidade e poder de mercado para o veganismo e a pauta cruelty free. A farmacêutica explica que o movimento não cresce como poderia por desinteresse de empresas que possuem orçamento gigantesco. “[Por ser dona da única farmácia de manipulação vegana no Brasil], eu brigo sozinha no mercado. Não tenho apoio comercial de ninguém e nem poder de negociação com fornecedores, principalmente por não ter um volume tão grande de compra quanto uma farmácia de manipulação comum. Então, é bem difícil negociar preço”, compartilha.

Expansão e definição do tema esbarra na falta de legislação

Além disso, ela aponta para o fato de não haver uma definição única ou legislação para dizer o que é um produto vegano e um cosmético livre de testes em animais. Ainda assim, é possível notar uma diferença entre os termos.

O produto vegano é aquele que, em todo o seu processo de fabricação, desde a produção de insumos ao produto final, não possui ingredientes de origem animal ou realiza testes em animais. Já um produto cruelty free é aquele que não passou por testes em animais. “Não teve a crueldade animal nos testes, [mas tem algum produto de origem animal na fórmula], como o mel de abelha. Neste caso, esse produto não foi testado em animais e é cruelty free, mas não vegano”, esclarece a especialista.

A farmacêutica destaca ainda a falta de legislação sobre o tema e a necessidade de as empresas se proporem a manter um negócio honesto com a clientela como desafios. De acordo com ela, é preciso que as empresas se proponham a investigar a origem de todos os fabricantes de insumos e outros fornecedores para se certificar de que o produto é realmente vegano ou não.“O maior desafio é o caráter, porque todas as pessoas estão envolvidas num processo que não tem fiscalização ou um órgão público e associação que regulamente e fiscalize o veganismo no Brasil”, explica.

“O universo de testes em animais é um pouco complicado, porque as informações não são claras [sic.]. Um produto pode ter um selo cruelty free dado por uma ONG que fiscalizou aquela empresa e seus meios de produção, assim como pode ter simplesmente colocado um coelhinho na embalagem como uma autodeclaração”, opina a estudante Marina Castello, 21, que é vegetariana. A dona da página no @poramor.mari dialoga com mais de 33 mil pessoas no Instagram e produz conteúdos sobre a proteção animal, saúde e bem-estar.

A influenciadora expõe que “raramente uma marca assume estar envolvida com testes em animais, é tudo sempre disfarçado em palavras difíceis”. De acordo com ela, muitas marcas se dizem veganas ou livres de testes em animais, mas não fiscalizam a origem de insumos de seus fornecedores (muitas vezes, estrangeiros).

E o Brasil nisso tudo?

Apesar dos desafios, o Brasil tem mostrado interesse no movimento cruelty free. Em 1 de março deste ano, foi publicada uma resolução que “proíbe o uso de animais vertebrados em pesquisa científica, desenvolvimento e controle de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes que utilizem em suas formulações ingredientes ou compostos com segurança e eficácia já comprovadas cientificamente”. No país, desde a criação da Lei 9605, em 1998, é proibido “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”, sendo este um crime ambiental.

Entretanto, a resolução de 2023 não é específica quanto ao que fazer sobre a segurança e eficácia de ingredientes que ainda não tenham sido comprovados cientificamente, dizendo apenas que “torna-se obrigatório no país, a partir de agora, o uso de métodos alternativos em pesquisa científica reconhecidos pelo Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal), para o desenvolvimento e controle da qualidade de produtos que utilizem nas fórmulas ingredientes (ou compostos) cuja segurança ou eficácia não tenham sido comprovadas cientificamente, ressalvadas as competências de outros entes e órgãos públicos com função regulatória”. Ela também não abrange produtos de limpeza, em que são sabidamente feitos testes em animais para fabricação.

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Marcas comprometidas ditam o mercado e criam o futuro

Para a farmacêutica Carina Zampini, CEO da Vegan Pharma, é possível, sim, criar e investir em marcas, cosméticos e produtos livres de testes em animais e veganos, ação que, inclusive, ajuda a criar mais demanda para o mercado. A farmácia da qual ela é dona já existe há dois anos e, segundo ela, está saudável e contém grande potencial de crescimento.

Em detalhes, ela explica como pode ser criado um produto livre de testes em animais. De acordo com Zampini, há uma gama de substâncias “que já foram amplamente testadas muitas e muitas vezes por outras empresas, fabricantes [e isso foi publicado em estudos]. Então, não é necessário testar a eficácia ou a segurança desses ingredientes, [porque isso já aconteceu antes]”. Ou seja, insumos alterativos à crueldade animais estão à disposição de qualquer marca interessada em se comprometer a fazer a diferença.

O veganismo e o movimento cruelty free são para todos

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Em seu perfil no Instagram, Marina compartilha sua rotina de alimentação, consumo e exercícios com os seguidores. A jovem observa que a maior dificuldade das pessoas em adotar o consumo consciente, o vegetarianismo ou o veganismo é não saber por onde começar a adotar novas práticas. Depois, quando os primeiros passos já foram dados, é mais fácil manter a constância e o propósito, apesar de ainda assim haver desafios. “Sair da curva do que todo mundo está fazendo dá essa sensação de ‘por onde eu começo?’. E, depois de iniciar, a principal dificuldade é a acessibilidade, não só falando de preço, mas de disponibilidade também. Algumas cidades tem pouquíssimas opções de marcas [de produtos no geral], outras uma extensa variedade”, explica.

Para que o movimento ganhe cada vez mais apoio, ela defende reduzir o consumo de produtos de origem animal e se aproximar da causa. “Não é preciso ser vegano para dar passos nesse sentido. Comece sem medo e vá descobrindo no caminho se realmente será difícil ou se só era algo desconhecido para você e por isso parecia ser difícil”, sugere Marina.

O presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira, Ricardo Laurino, enfatiza que é necessário se informar sobre a causa e, ao comprar algum produto, selecionar as marcas que não testam em animais ou que sejam veganas. “Isso tudo é um recado para a indústria, que naturalmente vai, internamente, buscar novas soluções e desenvolver uma pressão (num sentido positivo) para que a própria sociedade e as leis sejam modificadas. Assim, naturalmente vai ficando mais fácil para o próprio cidadão”, finaliza o especialista.

Formada em Jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo, trabalha com produção de conteúdo e assessoria de imprensa. É entusiasta de livros de ficção e busca conhecer cafeterias novas sempre que pode. Gosta de praia, mar e pôr do sol.