Dinheiro e Carreira

“Ciência inclusiva: um longo caminho”, diz Helena Nader, presidente da ABC

Helena Nader | Foto: Mariana Guerra/Ascom do MCTI

Primeira mulher presidente da Academia Brasileira de Ciências fala sobre desafios, desigualdade de gênero e racial na ciência

Atualizado em 16.10.23

As mulheres sempre estiveram presentes na história da ciência e tiveram contribuições importantes em diferentes áreas de atuação, especialmente na área de humanas e saúde. Este ano, ocorreu um fato histórico para as mulheres pesquisadoras, a cientista Helena Nader, foi eleita presidente da Acadêmia Brasileira de Ciências (ABC).

Em 105 anos de existência da instituição, ela se tornou a primeira mulher a ocupar o cargo, dando um passo importante para impulsionar a representatividade feminina na área. Helena Bonciani Nader, nasceu em 5 de novembro de 1947, em São Paulo, e teve a primeira experiência com a ciência nos laboratórios de uma escola nos Estados Unidos, onde cursou o ensino médio.

Quando retornou ao Brasil, ingressou na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e cursou bacharelado em ciências biomédicas. A pesquisadora também é licenciada em Biologia pela Universidade de São Paulo (USP) e concluiu doutorado em ciências biológicas, na (Unifesp). Além disso, na mesma área, fez estágio de pós-doutoramento pela Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos.

A presidente da ABC tem importante colaboração no avanço da ciência, educação no Brasil e reconhecimento internacional pelo apoio e estudos na área da saúde. Em 2020, recebeu o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia, além de outros reconhecimentos notáveis, como o Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher (2020) e o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (2022).

Helena Nader possui um brilhante currículo acadêmico e profissional, mas também se destaca ao defender a igualdade de gênero e pluralidade na ciência. Em entrevista ao Dicas de Mulher, ela fala sobre essas questões, desafios na carreira e como é presidir a Academia Brasileira de Ciências. Confira!

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Dicas de Mulher – Você possui um extenso currículo acadêmico e profissional, além de realizar diversas contribuições para a ciência brasileira. Sem dúvida enfrentou muitos desafios ao longo da carreira. Quais foram os principais?

Helena Nader – Eu diria que os principais desafios que eu enfrentei na minha carreira começam com a decisão de seguir o curso de Ciências Biomédicas. Era um curso novo e inovador, havia começado há um ano na Escola Paulista de Medicina, que hoje faz parte da Universidade Federal de São Paulo. Era um curso que, teoricamente, não tinha nem profissão pensada ou regulamentada. Mas o desafio foi tão grande, tão impressionante, a dedicação dos professores me levaram a ir com eles nessa empreitada maravilhosa. Hoje, esse curso de Ciências Biomédicas ou Biologia Médica, está em todas as universidades federais com o mesmo enfoque públicas estaduais, também com o mesmo enfoque de trazer para pesquisa na área de ciências, saúde, especial na área médica, pessoal mais treinado nas áreas básicas da ciências da vida e das Ciências da Saúde. Esse foi um grande desafio. Você imagina, com dezoito anos, você decidir se vai continuar ou não numa proposta e só estou falando de 1977. Então, valeu a pena, eu faria tudo de novo e só posso dizer obrigada a cada um dos meus grandes mestres.

Ainda sobre sua trajetória, poderia comentar um pouco sobre suas origens? Seus pais apoiavam seus estudos?

Eu vim de uma família de classe média. Meu pai nunca foi para a universidade, mas foi ascendendo dentro da carreira dele, tendo chegado a um bom posto dentro de uma firma americana. Minha mãe, por outro lado, completou apenas o ensino primário, pois trabalhou para ajudar a família. Meus pais sempre foram muito presentes na nossa vida – minha e da minha irmã, sempre tivemos todo o apoio. Fomos criadas sem impedimentos de nenhuma ordem.

Você teve uma filha que atualmente trabalha com pesquisa na área de educação. Você precisou se dividir entre carreira, casa e maternidade. Como foi esse processo?

Na vida profissional, tive dificuldades, como quase todo mundo. Optei por constituir família mais tarde – antes, terminei toda a minha formação. Foi uma opção minha. Não acho que é assim que tem que ser, mas foi assim meu modelo. Meu companheiro dividia comigo as funções. E mesmo assim fui estigmatizada. Quando ele faleceu, há 16 anos, perguntavam o que iria ser de mim. Como ele tinha sido meu orientador, achavam que meu currículo era dele, de alguma maneira – o que denota um pouco o machismo de nossa sociedade. Mas estou aqui até hoje. E devo a ele e a todos os meus professores ter chegado aonde cheguei, começando inclusive por Dona Isa, minha primeira professora da escola primária. Tenho muito orgulho da minha filha, por tudo o que ela faz e pela luta continua pela educação de qualidade e integral.

Como é ser a primeira mulher a presidir a ABC, após 105 anos de existência da instituição?

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Presidir uma organização centenária como a Academia Brasileira de Ciências é um grande desafio para homens e mulheres, mas para as mulheres, vem revestido de um desafio maior. Porque, por mais que se diga que a mulher está incluída na sociedade brasileira, ela está em termos.

Quando olhamos a educação superior, realmente as mulheres são a maioria. As mulheres são a maioria na pós-graduação. Mais mulheres agora estão sendo reitoras, mas quando você vai para fora disso, poucas mulheres do Brasil são realmente CEOs de indústrias. Isso ainda me assusta”.

Sou presidente da ABC, mas sou parte de uma equipe. Entre homens e mulheres, somos treze diretores que se complementam e todos têm respeito e orgulho do trabalho da mulher. E mais importante: dividem as tarefas. Então, eu diria que é uma grande experiência.

No início deste ano, pela primeira vez, a ABC elegeu mais cientistas mulheres do que homens para o quadro titular de acadêmicos. Você acredita que a ciência está se tornando mais inclusiva?

A ciência está mais inclusiva em termos. Não incluiu negros de forma efetiva, não incluiu indígenas, talvez esteja inclusiva para mulheres, mas não em todas as áreas. Acredito que o Brasil tem um longo caminho a percorrer para realmente se tornar uma sociedade inclusiva e, consequentemente, uma ciência inclusiva. O que podemos fazer para combater a desigualdade de gênero, começa antes da ciência: com respeito à mulher. A igualdade de gênero passa por aceitar todos os gêneros. Não aceito que a sociedade brasileira coloque estigmas e rótulos. Para combater a desigualdade de gênero na ciência, portanto, é preciso colocar mais mulheres em postos de chefia e empoderando.

“Eu vejo como extremamente importante, eu diria, quase tão importante quanto o empoderamento das mulheres, é mudar a educação dos homens. Enquanto as famílias educarem os meninos para serem servidos, nós nunca alcancemos igualdade de gênero“.

Eu vejo necessidade urgente de mostrar que somos complementares e que juntos criaremos uma sociedade digna de ser chamada de inclusiva. Enquanto só a mulher é quem tem que cuidar dos filhos e ainda trabalhar isso não vai acontecer. E mais mulheres na academia é consequência de maior inclusão.

As mulheres negras representam apenas 7% do número de pesquisadoras no Brasil. Na sua opinião, o que precisa mudar para haver mais diversidade nessa área?

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Pessoas negras representam muito pouco do percentual de docentes e pesquisadores do Brasil. Isso é o reflexo dessa sociedade não inclusiva que nós temos e que passou ao largo durante muitas décadas como um país não discriminatório. E como é que revertemos isso? Com ações afirmativas cada vez mais presentes. Isso começou, na verdade, no século XVIII. No Brasil, já se tinha que a inteligência estava relacionada à cor da pele. Isso ainda persiste e ficou no subconsciente e no consciente coletivo. Então, temos que mostrar para as crianças que elas podem ser o que elas quiserem, independentemente da cor de pele. Nós temos que ter diversidade, ela é fundamental para termos um equilíbrio dos pensamentos.

Você defende que a ciência deve ser ensinada igualmente para todos, independente de gênero. Na sua opinião, quais as maiores dificuldades que as mulheres enfrentam para trilhar uma carreira de pesquisadora?

O desempenho de um homem é mais perdoado na minha visão do que o desempenho de uma mulher. Porque a mulher tem que ser aquilo que se espera e um pouco mais. Eu, por exemplo, já tive diversos cargos para ajudar a querida sociedade brasileira no progresso da ciência e também tive que coordenar muitas funções, incluindo chefia de vários homens. Mas talvez uma característica é que não tenho trabalho o ‘eu’, mas sim o ‘nós’, isso faz a diferença. Quando você centra muito no ‘eu’, as coisas ficam mais difíceis.

Quais são os principais projetos que você tem como nova presidente da Academia Brasileira de Ciências?

Na ABC, temos vários grupos de trabalho. Um que está voltado exatamente para mulheres, inclusão, questão de raça, educação, da educação básica à pós-graduação, e outro sobre segurança alimentar e diferentes biomas do Brasil, por exemplo. Temos uma diretoria participativa, então eu acredito que poderemos contribuir positivamente com o Brasil e toda sociedade brasileira durante nosso mandato. Faremos até evento voltado aos jovens e vamos torcer para que o Brasil saia logo dessa crise.

O que eu espero? Eu espero uma democracia plena e os direitos respeitados. Eu espero uma sociedade igualitária, com equidade, com respeito social, com respeito ambiental e com menos fome”.

Formada em Letras e pós-graduada em Jornalismo Digital. Apaixonada por livros, plantas e animais. Ama viajar e pesquisar sobre outras culturas. Escreve sobre diversos assuntos, especialmente sobre saúde, bem-estar, beleza e comportamento.