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Desde o veto do presidente da República ao artigos da lei que propõe a distribuição de absorventes a pessoas em situação de vulnerabilidade, a discussão acerca da pobreza menstrual aumentou. Para ajudar a entender o que é e quais os impactos na sociedade brasileira, falamos com Giulia Gouveia, coordenadora adjunta do Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada (Lappcom) e assistente de coordenação do projeto Mulheres Eleitas.
O que é a pobreza menstrual?
“Pobreza menstrual é um termo que se refere ao estado de vulnerabilidade socioeconômica e à consequente precariedade no acesso a direitos e insumos relacionados à menstruação. Trata-se de uma questão estrutural, multissetorial e muitas vezes invisibilizada, que deve ser compreendida e enfrentada a partir de aspectos que envolvem saúde, educação, mercado de trabalho, direitos sexuais e reprodutivos, saneamento básico, assimetrias sociais e políticas públicas.”, explica Giulia.
O assunto vai muito além do acesso a absorvente. A ONU considera a higiene menstrual um direito humano e um problema de saúde pública desde 2014. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) define pobreza menstrual como a situação causada pelo conjunto de fatores que impedem o acesso a itens de higiene menstrual, infraestrutura para higiene íntima e informação sobre menstruação.
Essa condição atinge meninas e mulheres em idade fértil, homens trans e não binários que vivem em extrema pobreza, encarceramento ou em situação de rua. Conforme o levantamento feito pela Johnson & Johnson Consumer Health em parceria com os Institutos Kyra e Mosaiclab, 11,3 milhões de mulheres vivem nessa situação.
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O que a pobreza menstrual pode causar?
A pobreza menstrual atinge os grupos de maneira diferente. Segundo a coordenadora adjunta da Lappcom, a mulher cis (que nasceu com órgão feminino e se identifica com o gênero feminino) sofre historicamente, pois a menstruação é considerada suja, impura. Já homens trans e pessoas não binárias são invisíveis, ou seja, não são vistos como seres menstruantes.
“Além disso, é comum que a legitimidade do homem que menstrua diminua. Isto é, ao passo que a menstruação está culturalmente ligada ao feminino e aos estereótipos de gênero, ele seria considerado “menos homem” perante a sociedade. A pessoa não binária, por sua vez, corre o risco de ser entendida exclusivamente como mulher”, aponta Giulia.
Segundo o relatório da UNICEF, o pouco ou nenhum acesso a produtos de higiene menstrual os obrigam a procurarem alternativas para estancar o sangramento. São papeis higiênicos, pedaços de pano usado, roupas velhas, jornal e até miolo de pão, colocando em sério risco a saúde. Além disso, interfere nos estudos e no mercado de trabalho, causando evasão escolar e desemprego.
Quanto custa menstruar?
O custo da menstruação no Brasil é caro. Estima-se que as mulheres gastam cerca de 6 mil reais em absorventes, considerando o valor de 60 centavos a unidade. Segundo os dados da iniciativa Fluxo Sem Tabu, são usados cerca de 10 mil absorventes durante 450 ciclos ao longo da vida. Isso sem contar medicamentos e outros itens de higiene pessoal, como água e sabão.
A falta de acesso a saneamento básico e água potável também são um problema. Ainda segundo os dados da UNICEF, 713 mil meninas não têm banheiros em casa; 632 mil não têm acesso a banheiros de uso comunitário; 570 mil não têm água encanada. Ou seja, ainda que consigam um coletor, a limpeza necessária não pode ser feita.
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“A chance de uma menina negra não possuir acesso a banheiros é quase 3 vezes a de encontrarmos uma menina branca nas mesmas condições”, diz o relatório. De acordo com índices divulgados em 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os brasileiros abaixo da linha de pobreza, 70% eram pretos ou pardos. As mulheres racializadas ocupavam posições ainda mais graves: as negras representavam 39,8% dos extremamente pobres, e as pardas, 38,1%”, afirma Giulia Gouveia.
A importância de políticas públicas
Existem várias iniciativas que distribuem kits para ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade. Projeto Luna, Absorvendo Amor, Fluxo Sem Tabu e Deixa Fluir com Dignidade são algumas delas. Mas, apesar de todo bem causado por essas ações, elas são apenas atenuantes.
Para Giulia, a pobreza menstrual revela as desigualdades presentes na sociedade que englobam gênero, raça, idade, condição econômica, localização geográfica. E para agir sobre isso são necessárias políticas públicas “que articulem os setores municipais, estaduais e governo federal, bem como as diversas áreas da administração pública, desde saúde até educação.”
Os riscos da manutenção da pobreza menstrual na sociedade brasileira
As consequência dessa situação atingem não só as minorias, mas toda a sociedade. Para entender como isso ocorre, a coordenadora adjunta da Lappcom listou 6 problemáticas. Veja abaixo quais são.
Risco à vida
Além de infecções e doenças devido ao uso de panos velhos e miolo de pão, a falta de acesso à higiene básica também põe em risco a vida de pessoas que menstruam. “A precariedade do saneamento básico em regiões mais carentes, que restringe o acesso populacional à água potável e a instalações básicas de higiene, aumenta o risco de doenças e de morte através da Síndrome do Choque Tóxico, impedindo que as pessoas que menstruam higienizem-se adequadamente durante o ciclo”, afirma Giulia.
Desempenho escolar ruim
“Crianças e adolescentes muitas vezes deixam de ir à escola durante o período menstrual devido à falta de absorventes ou outros modos de contenção do fluxo, afetando negativamente seu desempenho escolar”, explica Giulia, que indica outro fator que prejudica a vida acadêmica: a falta de infraestrutura nas escolas. Para a UNICEF, entende-se por infraestrutura papel higiênico, pias e sabão. “Quase 200 mil alunas estão totalmente privadas de condições mínimas para cuidar da sua menstruação na sua escola”, diz o relatório.
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Aumento da desigualdade social
“A ausência nas aulas e o consequente impacto no desempenho escolar pode refletir nas possibilidades de acesso ao ensino superior, facilitado para aqueles que não menstruam e são capazes de manter regularidade acadêmica. Posteriormente, as consequências podem ser observadas na inserção no mercado de trabalho e chances de mobilidade social”.
Falta de reconhecimento de direitos
Para a especialista, “a pobreza menstrual pode ser entendida como uma falta de reconhecimento pelo Estado das pessoas que menstruam como sujeitos de direito, merecedores de condições básicas e dignas para lidar com suas funções fisiológicas.”
Aumento da desigualdade com recorte racial e de gênero
A partir de dados já citados pela socióloga, a situação de vulnerabilidade atinge, principalmente, meninas e mulheres pretas e pardas – a maioria entre os extremamente pobres. Para ela, os dados evidenciam um “caráter racial na pobreza menstrual, intensificando ainda mais a estrutura racista e classista que predomina no Brasil”.
Discriminação e invisibilização de minorias
“A invisibilização de homens trans e pessoas não binárias como menstruantes contribui para que os efeitos da pobreza menstrual intercedam de maneira mais forte sobre suas vidas, além de evidenciar os estigmas que circundam esses grupos”, conclui a especialista.
A pobreza menstrual está relacionada a diversos fatores da sociedade. Se você quer conhecer melhor e entender a diferença entre o gênero não binário e a transexualidade, leia as matérias sobre os tipos de não binariedade e crianças transgênero.
Fernanda Paixão
Comunicadora, voluntária e empreendedora. Apaixonada por moda, leitura e horóscopos. Graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela PUC-Rio, com domínio adicional em empreendedorismo.