“Toda mulher é mal amada”. Ouvi essa frase da psicanalista Manuela Xavier na última semana, enquanto ela participava do programa Sábia Ignorância, do GNT, comandado por Gabriela Prioli. No programa, Gabi perguntava às convidadas (estavam Manuela Xavier e Manu Gavassi) qual das injúrias do mundo da internet mais as mobilizariam, e uma das escolhas era entre: “você é histérica” ou “você é mal comida, mal amada”.
A psicanalista prontamente responde que a segunda opção não a magoa, porque “é verdade”. Ela explica: “todas somos mal amadas. O mundo não sabe amar as mulheres”. Manu, você alugou um triplex aqui, viu? Tanto que precisei escrever este texto para pensar – porque é a palavra que me faz pensar, e não o pensamento que me faz escrever…
É evidente que a expressão “mal amada” tomou, machistamente (acabei de inventar esse advérbio), um sentido depreciativo. É usada para falar da mulher que “ninguém quer direito”, que é ruim por si mesma e por isso não é digna de amor.
Por outro lado, mal amada também implica um posicionamento do outro que ama. Amam-se mal as mulheres, é verdade, Manuela. Mais do que isso: odeiam-se as mulheres que sabem como querem ser vistas, amadas, comidas e respeitadas. Foi o que eu ouvi, nesta semana, de uma paciente, indignada com o resultado das urnas americanas: “o mundo odeia as mulheres!”. O mundo, eu acredito, as ama mal. Ama-se mal, porque se ama a partir do que suspeitam que elas querem, e não necessariamente a partir do que elas querem.
Dizem que Freud inaugurou a Psicanálise, mas pouco se fala sobre o papel das mulheres nisso tudo. Foi a partir delas, das “histéricas” de sua época, mal comidas e mal amadas, que nasceu a terceira ferida narcísica da humanidade. Freud dedicou anos a compreender o que elas queriam, e mesmo depois de sua morte a pergunta não foi respondida. Muito se deve ao fato de que quem tenta respondê-la não são as mulheres. São homens que (não) querem saber do desejo delas para, com justificativa prévia, mal amá-las.
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O tal do desejo sempre insatisfeito, histérico, que reverbera em ideias comuns de que as mulheres nunca estão felizes; esse desejo que, na verdade, procura espaço para sobreviver de resto. É como diria a também psicanalista Radmila Zygouris, em seu livro Psicanálise e Psicoterapia: “a histérica é uma criação do macho obsessivo ocidental em busca da esfinge”.
Além de tudo isso, talvez não se saiba o que querem as mulheres porque a elas não foi ensinado como dizer. Ensina-se a pedir, ensina-se a educar, ensina-se a se portar. Às mulheres, não é dado o direito de desejar o corpo do outro, mas é dada a necessidade de ser o corpo desejado pelo outro. Como encontrar, num objeto de estante, numa esposa troféu, ou numa mãe sobrecarregada uma frase possível sobre como ser amada?
A fala de Manuela Xavier é polêmica. Ela pode levar os mais desavisados a imaginar que as mulheres sempre querem mais, e que, vitimizando-se, exigem tudo e mais um pouco, para além do que o outro pode dar. Muitas vezes, esse outro dificilmente vai lidar com o fato de que ele não consegue amar direito e comer direito. Advérbio de modo: “mal”, significando aquilo que é “feito nas coxas”.
Mas cada um lê e ouve com a bagagem que tem, e eu gosto de olhar nas entrelinhas: fala-se pouco sobre o próprio desejo, estamos mesmo é mal faladas. É urgente falarmos mais, assim como a Manuela Xavier, a Manu Gavassi, a Gabriela Prioli, a Djamila, a Maria, a Bell, eu, você…. Podemos ajudar umas às outras a descobrir e a falar como queremos ser amadas, sendo o amor uma premissa do bem-viver. Talvez ainda sejamos mal amadas, mas é a insatisfação que nos fará reivindicar, como condição para as relações, aquilo que é bom, dentro de um universo diverso de satisfação.
Psicanalista e Palestrante, graduada em Psicologia e em Letras, com Mestrado e Doutorado em Linguística e Pós-Graduada em Sexualidade Humana. Dedica sua carreira ao desenvolvimento de mulheres líderes no trabalho, nos relacionamentos e na vida. É autora do livro "A linguagem da loucura" e empresária, ama comunicação, esportes, viagens e celebrações.